Partilhar Lisboa

Fevereiro 14 2007
Não quis fazer campanha aberta aqui no blog para o referendo do passado sábado, mas agora que já passou e não vou tentar influenciar ninguém gostaria de vos deixar aqui um texto que recebi por e-mail e que achei particularmente bonito e bem escrito.
 
"Carminho & Sandra
Carminho senta-se nos bancos almofadados do BMW da mãe. Chove lá fora. Encosta o nariz ao vidro para disfarçar duas enormes lágrimas que lhe rolam pela face. A mãe conduz o carro e aperta-lhe ternamente a mão. Há muito trânsito na Lapa ao fim da tarde. A mãe tem um olhar triste e vago mas aperta com força a mão da filha de 18 anos.  Estão juntas. A caminho de Espanha.
(Mais a baixo na cidade)
Sandra senta-se no banco cor-de-laranja do autocarro 22 que sai de Alcântara. Chove lá fora. Encosta o nariz ao vidro para disfarçar duas enormes lágrimas que lhe rolam pela face. A mãe está sentada ao lado dela. Encosta o guarda-chuva aos pés gelados e aperta-lhe ternamente a mão. Há muito trânsito em Alcântara ao fim da tarde. A mãe tem um olhar triste e vago mas aperta com força a mão da filha de 18 anos. Estão juntas. A caminho de casa de Uma Senhora.
O BMW e o autocarro 22 cruzam-se a subir a Avenida Infante Santo.
Carminho despe-se a tremer sem nunca conseguir estancar o choro. Veste uma bata verde. Deita-se numa marquesa. É atendida por uma médica que lhe entoa palavras doces ao ouvido, enquanto lhe afaga o cabelo. Carminho sente-se a adormecer depois de respirar mais fundo o cheiro que a máscara exala. Chora enquanto dorme.
Sandra não se despe e treme muito sem conseguir estancar o choro. Nervosa, brinca com as tranças que a mãe lhe fez de manhã na tentativa de lhe recuperar a infância. A Senhora chega. A mãe entrega um envelope à Senhora. A Senhora abre-o e resmunga qualquer coisa. É altura de beber um liquido verde de sabor muito ácido. O copo está sujo, pensa Sandra. Sente-se doente e sabe que vai adormecer. Chora enquanto dorme.
Carminho acorda do seu sono induzido. Tem a mãe e a médica ao seu lado. Não sente dores no corpo mas as lágrimas não param de lhe correr cara abaixo. Sai da clínica de rosto destapado. Sabe-lhe bem o ar fresco da manhã. É tempo de regressar a casa. Quando a placa da União Europeia surge na estrada a dizer PORTUGAL, Carminho chora convulsivamente.
Sandra não acorda. E não acorda. E não acorda. A mãe geme baixinho desesperada ao seu lado. Pede à Senhora para chamar uma ambulância. A Senhora não deixa, ponha - se daqui para fora com a miúda, há uma cabine lá em baixo, livre-se de dizer a alguém que eu existo.
A mãe arrasta a Sandra inanimada escada a baixo. Um vizinho cansado, chama o 112 e a polícia.
Sandra acorda no quarto 122 dias depois. As lágrimas cara abaixo. "Não poderás ter mais filhos, Sandra", disse -lhe uma médica, emocionada.
Sai do hospital de cara tapada, coberta por um lenço. Não sente o ar fresco da manhã. No bolso junto ao útero magoado, a intimação para se apresentar a um tribunal do seu país: Portugal.
Eu voto sim. Pela Sandra e pela Carminho. Pelas suas mães e avós. Por mim.
Rita Ferro Rodrigues"
 
Partilhado por AnaD às 20:02

Claro que só poderia responder positivamente ao teu comentário ... afinal detesto aquela velha máxima do "se não estás comigo estás contra mim" ... este é um assunto que está longeeeee de ser consensual, considero válidos argumentos de ambas as partes, o "segredo" está em analisá-los à luz da minha experiencia e dos meus principios, pesar os prós e os contras.

Agora uma coisa é certa, este referendo mostrou-me que continuamos a não estar preparados para este tipo de decisões ... não houve exclarecimento nem discussão publica ... cada lado debitava os seus motivos e se questionássemos os porquês, respondiam: "porque sim!"

O nr da abstenção tb me deixou desolada ... custa-me muito ... e aqui há muito o dedo da minha D. Odete ... que um país há 3 decadas ainda se encontrava em ditadura hoje menospreze o direito e o dever de votar, parece-me que se esquecem que os nossos pais não iam votar porque não lhes era permitido porque não tinham esse direito ... e lutaram muito, muitos deles pagando preços bem elevados para que nós hoje consideremos isso um direito adquirido algo banal sempre presente na nossa vida ... mas depois não pomos lá os pés ... ignoramos o dever que é esse direito, ignoramos o dever de honrar quem nos abriu caminho ... isso põe-me furiosa!
AnaD a 16 de Fevereiro de 2007 às 22:23

Lisboa é a minha cidade, é quem sou e condiciona o que penso e o que sinto, por isso ao partilhar Lisboa, partilho angústias e alegrias, revoltas e compreensão ... no fundo é um local de partilha de sentimentos!
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